Nos meus quase 20 anos como servidor público, tenho observado, nas mais diversas esferas públicas, privadas ou associativas, muitas pessoas assumirem cargos, alguns sem remuneração, motivadas inicialmente por um ideal, um convite ou até mesmo um senso de dever. No entanto, com o tempo, o que era para ser uma missão de serviço transforma-se numa prisão do ego. O cargo, que deveria ser apenas uma função passageira, torna-se, para alguns, uma extensão de sua identidade. Eles se agarram à posição com unhas e dentes, temendo que qualquer outra pessoa que brilhe ao seu redor diminua o brilho que acreditam ter conquistado, expondo a insegurança de pessoas frágeis que se consideram insubstituíveis.
Essa dinâmica é antiga. Na Bíblia, vemos que Saul, o primeiro rei de Israel, inicialmente não desejava o trono. Ele foi escolhido, um tanto contra sua própria vontade. No entanto, após experimentar o sabor do poder, Saul não apenas se apegou ao cargo, como também passou a temer aqueles que ameaçavam seu prestígio. A figura de Davi, um jovem ungido por Deus e admirado pelo povo, rapidamente se tornou uma ameaça aos olhos inseguros de Saul. O rei, que no começo fora humilde, terminou sua trajetória perseguindo Davi, consumido pela inveja e pela necessidade de manter sua coroa a qualquer custo.
Essa armadilha emocional é o que denomino, em meu livro “A Bastardia” que em breve será publicado, de Síndrome de Saul. Trata-se de uma metáfora literária relacionada àqueles que, uma vez investidos numa posição de destaque, se perdem no labirinto do poder e da vaidade. Eles deixam de viver suas vidas pessoais, de cuidar da saúde emocional e física, e passam a servir ao cargo, usando-o como escudo contra suas próprias inseguranças.
A verdadeira liderança, no entanto, é despretensiosa. Ela compreende que cargos são temporários e que a autoridade genuína não depende de um título, mas da integridade, da sabedoria e da capacidade de inspirar outros sem medo de ser ofuscado. Libertar-se da Síndrome de Saul é um ato de coragem, de humildade e, sobretudo, uma reconexão com o seu propósito original.