sexta-feira, 26 julho 2024

Delegado-geral da Polícia Civil é alvo de denúncias de assédio, perseguição e tráfico de influência

José Henrique Maciel é delegado-geral da Polícia Civil desde o primeiro mandato de Gladson Cameli — Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp
Foto: Dhárcules Pinheiro/Sejusp

O delegado-geral da Polícia Civil do Acre José Henrique Maciel é alvo de denúncias de tráfico de influência, assédio moral e sexual, além de perseguições dentro da corporação. A deputada Michelle Melo (PDT) apresentou, durante sessão na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac) nessa quarta-feira (18), documentos que mostram o pagamento de R$ 211 mil em precatórios solicitados de maneira indevida por Maciel. Ele nega. (leia nota abaixo).

Conforme os relatos apresentados pela parlamentar, em 2018, quando ainda não era delegado-geral, Maciel redigiu uma petição inicial para receber por 13 dias de férias das quais ele não usufruiu. Quando a Justiça retornou a solicitação, Maciel informou que desejava desistir da ação. Em 2020, ainda conforme a denúncia, ele conseguiu um acordo extrajudicial com a Procuradoria Geral do Estado (PGE-AC) para receber a quantia.

De acordo com Michelle, essa movimentação mostra que o delegado quis “furar a fila” dos precatórios. Geralmente, os precatórios são pagos a servidores quando eles se aposentam e ainda possuem férias ou licenças das quais não usufruíram, e existe uma ordem para esse pagamento, e os servidores precisam aguardar a vez.

“Desistiu porque, uma vez através da Justiça, ele precisa entrar no cronograma dos precatórios, ele precisa entrar na fila. Então, burlou-se o sistema. Por ser amigo do rei, tivemos alguém que conseguiu burlar o sistema. Foi pedida uma suplementação orçamentária, com recurso próprio. Segundo a lei, esses recursos têm que estar destinados dentro do Tribunal de Justiça para o pagamento de precatórios. Nós vemos um delegado-geral da Polícia Civil, na ativa, que isso também não acontece com os meros mortais. Os servidores têm que entrar na fila, e ele recebeu a bagatela de R$ 211 mil por um acordo com os amigos”, declarou Michelle.

A parlamentar também exibiu um memorando emitido pela direção-geral da Polícia Civil avisando aos servidores para que não acumulassem férias, pois o Estado teria dificuldades com os recursos para pagamento de eventuais precatórios.

“Para o delegado que está na função da governança, na ativa, prestativo do rei, ele sim pode receber seus R$ 211 mil. Nós, pobres mortais, não podemos”, acrescentou Michelle.

Para a deputada, a prática caracteriza tráfico de influência, e revela o favorecimento por parte do governos a agentes públicos próximos à gestão. Outro exemplo citado por Michelle é o caso de José Valcleir Carvalho do Nascimento, amigo de Maciel, que foi nomeado para um cargo em comissão de categoria três, enquanto acumula função em uma empresa terceirizada que presta serviços ao governo. O g1 não conseguiu contato com Nascimento.

A reportagem entrou em contato com o governo para questionar se tem conhecimento das denúncias e se alguma investigação foi iniciada, mas, segundo a assessoria do governo, a nota do delegado-geral já condiz com o posicionamento da gestão. Sobre medidas administrativas que podem ser tomadas, o governo não respondeu.

“Sabendo desse cenário e tendo essas denúncias, nós precisamos falar do que está acontecendo, da pouca vergonha que está acontecendo, com o delegado-geral viajando, recebendo diárias e burlando o sistema dos precatórios, burlando a lei, recebendo sendo servidor na ativa, um valor que não lhe é devido. Dessa forma, ele deveria ter entrado na Justiça, como todos os mortais fazem, esperando cronologicamente que chegasse a sua vez. Então, a gente vê o que acontece”, comentou a deputada à imprensa após o discurso na Aleac.

Outras denúncias

A reportagem teve acesso a uma série de denúncias envolvendo o delegado-geral, desde assédio moral à perseguições dentro da Polícia Civil. A reportagem teve acesso a uma conversa gravada entre um agente de Polícia Civil e o delegado. O ano foi 2020 e o agente foi chamado após ser ouvido em uma investigação sobre um suposto esquema de ‘rachadinha’ feito por Maciel. Ele chegou a ser afastado da delegacia geral por dois anos, mas retornou em 2022.

Na época, mesmo diante dos impasses, o governo disse em nota que confiava na idoneidade e competência do delegado-geral para exercer a direção da Polícia Civil. No áudio que o g1 teve acesso, o delegado intimida o servidor dizendo que tem informações de supostas irregularidades que ele não foi atrás, diz que vai transferir delegados e que não há ninguém para ir contra ele, que é o delegado geral. (Ouça trechos acima)

Uma sequência de áudios mostram o delegado falando frases do tipo:

  • “Tu [agente] de férias abasteceu o carro [viatura]. Eu tenho documento, cara e eu não fui atrás disso, fora as coisas que eu não fui atrás”
  • “Pedro Henrique [delegado] não movi uma palha contra ele, tenho provas e não é pouca não, mas são muitas. Eu dou oportunidades”
  • “Nenhum agente vai querer enfrentar o delegado -geral por besteira, não existe”
  • “Posso te pegar, ter um dinheiro no orçamento, ir pegar tua ficha, ver onde fez tua opções e te jogar em um município desse aí, Thaumaturgo, Porto Walter, não posso? Mas, não fiz. Tiro R$ 8 a R$ 10 mil do orçamento e pago, vai atrapalhar tua vida para c….

“Na Defla eu ia te tomar aquele carro, o delegado-geral da Polícia Civil ia te tomar aquele carro, porque aquele carro tá no nome da Polícia. Não tem negócio de cautela, tá no nome da polícia e quem é o representante da polícia, aqui, o papai. Eu sou representante da polícia. Ainda não usei o meu peso da caneta de delegado-geral, não. Tu tem uns 3 anos da polícia, por aí, estou só te dizendo um seguinte. Acho isso uma sacanagem [denúncia rachadinha], sem prova nenhuma, até porque se tivesse prova, já tinham colocado na imprensa pra me f… Eu não gosto de deslealdade”

Além disso, na denúncia recebida pelo g1, há notícias de servidores afastados com problemas psicológicos que sofreram assédio moral e também sexual.

“Há pelo menos duas policiais civis que sofreram assédio sexual ainda na primeira gestão do delegado-geral, que acontecia nos horários de expediente, sendo que ambas estavam lotadas na direção-geral, onde as chamava com frequência ao seu gabinete sob o pretexto de solicitar alguma demanda administrativa, quando, na verdade, fazia comentários, apalpava ou tentava apalpar o corpo e fazia convites para que as servidoras o acompanhasse em alguma viagem, tendo uma delas inclusive sido convidada para acompanhá-lo em um encontro dos chefes de polícia, sendo recusado pela funcionária”, aponta a denúncia.

E assim, como ele mesmo diz em um dos áudios que pode transferir o servidor para atrapalhar a vida dele, as informações apontam que ele faz isso com certa frequência, como forma de demonstrar poder. A denúncia também aponta que existe uma esquema para que as coisas ocorram de forma sigilosa e abafar impasses.

“Ele remove as pessoas que ele entende que são contra ele, sendo necessárias ações judiciais para reverter os desmandos, muitas vezes determinando indenizações contra o estado, sobrecarregando os cofres públicos. Não se tem coragem de ir à frente porque a Corregedoria funciona como um órgão que apenas pratica comandos estabelecidos pelo delegado-geral de forma a perseguir os seus desafetos. Dando falsa legalidade a procedimentos e direcionando situações aqueles que se levantam contra o delegado geral fazendo com que se impere o silêncio, pois há muitas coisas erradas e o governo mantém o grupo ali”, desabafa.

Sobre essas denúncias, Maciel também nega qualquer prática inadequada. Ele confirmou ter conversado com o servidor sobre a denúncia de rachadinha, mas disse que, à época, seu objetivo era saber quais eram as alegações contra ele. Ainda conforme o delegado-geral, as denúncias eram infundadas, e que a conversa foi gravada sem seu consentimento.

“Houve uma conversa, a minha conversa é porque ele me denunciou sem prova nenhuma, e eu chamei ele para uma conversa. Eu perguntei o que ele tinha contra mim. Se ele entendeu como intimidação, o objetivo da conversa não era nesse sentido. Ele era chefe do transporte, ele foi o cara que me denunciou sem eu saber, sem nenhuma prova. E eu chamei ele para uma conversa, e ele, de forma antiética, me gravou sem meu conhecimento. Não estava sabendo, me gravou, de forma leviana, e eu não disse nada ali que pratiquei algum crime, ou tenha pedido para ele. Inclusive, falei no Ministério Público. Estão buscando uma coisa de 2019, 2020. Há um processo agora de denegrir a minha imagem”, rebate.

Em relação aos relatos de que persegue servidores que discordam dele e de assédio moral e sexual, ele também nega. Maciel afirma não ter conhecimento dos casos, e diz que precisaria saber quem é cada servidor para esclarecer o que houve.

Ele argumenta ainda que, muitas vezes, conversas rotineiras com servidores podem ser entendidas como assédio.

“Narrativas e narrativas. Temos que saber os fatos, identificar as pessoas, porque é muito fácil dizer que foi assediado pelo chefe. Isso é uma coisa muito perigosa, caluniosa ao extremo. Precisa dizer quem é a pessoa, nunca ocorreu nada disso. Alguém pode ter se sentido, se ressentido. Hoje, se você quiser chamar um servidor, para explicar, conversar, agora, tudo é assédio moral. Sexualmente, zero, isso, zero. Essa questão de assédio moral, hoje você não pode conversar com um servidor, que ele diz que foi assediado moralmente. Eu nego isso, e peço para me apresentar os fatos concretos. Eu nego, e não tenho conhecimento dos fatos concretos”, finaliza.

O que diz a direção-geral

A Polícia Civil divulgou uma nota, assinada por Maciel, na qual repudia as alegações feitas pela deputada. A publicação nega que os recursos recebidos pelo delegado sejam precatórios.

“Esclareço, que não recebi nenhum valor por meio de precatórios. Na verdade, foi celebrado um acordo extrajudicial com a PGE, no segundo semestre de 2020, oportunidade em que foram auferidos valores, objeto de uma ação judicial no ano de 2018. Insta ressaltar que os acordos extrajudiciais são oferecidos pela PGE a todos os servidores públicos que demandam o Estado e não foi uma ação isolada para benefício próprio, como declarou a deputada”, diz o texto.

Ao g1, Maciel reforçou o posicionamento, e acrescentou que não exercia o cargo de delegado-geral à época do recebimento dos recursos. Ele também classifica as alegações como calúnias, e diz que são uma tentativa de desonrá-lo.

“Não existe tráfico de influência. Por que não existe tráfico de influência? Na época eu não exercia nenhum cargo de relevância no governo, não era delegado-geral. Inclusive, quando eu fiz o acordo, eu estava afastado do cargo, tinha sido exonerado. Nada disso, a PGE fez, tem autonomia, ela faz com vários servidores do estado, é papel dela”, disse.

G1 AC

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